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domingo, 4 de setembro de 2011

The Runaways – Singular Ladies

cartaz
Estava revendo a filmografia que quero apresentar no futuro mestrado sobre moda e cinema e fui mexer nos meus back ups de filmes para acrescentar “The Runaways – Garotas do Rock” (The Runaways - Floria Sigismondi, EUA, 2010), um drama biográfico sobre a banda californiana homônima - primeiro grupo de rock formado só por garotas. O filme é uma adaptação do livro escrito por sua ex-vocalista, Cherrie Currie, Neon Angel: A Memoir of The Runaways e foi lançado no Festival de Sundance do ano passado. Mas apesar de todo glitter, não causou. Eu acho isso uma pena!
Este não é um texto sobre como a história do filme não retrata fielmente a banda ou sobre como eram feios os cabelos do final dos anos 70 (The Runaways durou apenas de 1975 a 1977). Vamos falar sobre moda e comportamento e de como uma geração de mulheres foi importante para nós outras. Eu acredito que todos nós nos lembremos do dia 08 de março (booom! operárias incendiadas) e de fogo nas tetas das feministas dos anos 60 (booom! adeus sutiãs), mas quase ninguém se lembra de que foram as garotas dos anos 70 que ensinaram as dos 80 a dizerem: Oi cara, eu também sei trepar sabe? Ou você me trata como mulher ou eu não vou te tratar como homem. Talvez seja porque isso foi feito de uma maneira não tão dramática e ao som do bom e velho conhecido nosso: o rock’n roll.
Voltemos ao filme.
the runaways originais

O filme começa com uma gota de sangue de menstruação caindo no chão e, a partir daí, mostra a adolescente de 15 anos Cherie Curie (Dakota Fanning) em contraposição com cenas da outra protagonista do filme, a também adolescente Joan Jett (Kristen Stweart) numa simbiose entre claro/escuro magistral que só é percebida se o espectador realmente se concentrar na obra e não em seus estereótipos, pois ele é muito bem dirigido artisticamente. (Qualquer olho que viveu na atmosfera dessa época vai querer ficar o tempo todo localizando e identificando objetos de cena e fazendo correlação com suas lembranças. Essa viagem ele é capaz de fazer!).
compare a carcterização

Com naturalismo, a diretora Floria Sigismondi mostra a formação da banda, o encontro com o produtor Kim Fowley (Michael Shannon) e o jeito bombástico que a mistura dessas três personalidades singulares se juntaram para exprimir através da música a revolução sexual feminina pela qual o mundo estava passando no universo que contempla a rebeldia da adolescência, a relação dessas garotas com as suas famílias, a afirmação de seu espaço num nicho musical feitos de caras maus e como cada um desses conflitos se processavam em suas cabeças em transição. Do início ao fim, Sigismondi segue tocando nesse ritmo.
Em The Runaways, o lugar comum é bem vindo. É muito bem vindo quando, na apresentação da rotina das protagonistas, escutamos a descrição de suas personalidades na trilha sonora. O detalhe é que ouvimos músicas das próprias Runaways feitas com este propósito. Aqui eu me apego à montagem visual de cada detalhe do figurino. Obviamente, apresentar Joan Jett como a garota punk soturna que compra a jaqueta de couro que um cara e ver de cara o rosto de Cherie passando batom vermelho num banheiro dizem muito mais que suas personalidades do que a enciclopédia do rock. “Ei, sal e pimenta, Vamos descer a ladeira?”, chama a terceira integrante do time, a baterista Sandy West (Stella Maeve), na cena em que as três estão bebendo um coquetel de bebidas chamado de “pia suja”, à noite, aos pés do letreiro de Hollywood”. Sal, Joan Jett e pimenta, a rebatizada Cherry Bomb. Será possível que ninguém viu mesmo poesia nesta composição?
Outro detalhe com tempero é o fato de as versões das músicas serem cantadas por ambas as atrizes. Ok, lugar comum. Mas vamos às cenas sequenciais nas quais a banda já está saindo em turnê. A montagem deixam-nas um sabor especialmente nostálgico de vídeo clipes editados para a TV a partir de material de shows. Aqui o espectador sente os movimentos a banda tocando de verdade, mas com o tratamento acústico de ilha idem a muito clipe da época e com direito à câmera lenta, detalhes de rifes de guitarra e ainda muito gelo seco e luz de palco banhando as integrantes.
Não vamos nos esquecer do visual. Visual é a palavra usada no texto em que o produtor convida Cherie para se integrar ao grupo “Hey, Cherie, we love your look!” – nesse trecho se define o papel dela no grupo (motivo pelo qual depois é causa de ciúmes entre as integrantes, a banda acaba, Joan Jett segue a carreira solo  com Joan Jett and the Blackhearts compõe o hit “I Love Rock’n Roll” e toda a história que a gente conhece - está tudo lá no filme também). Vemos a superexposição da front woman, vemos a Joan colocar sua assinatura no som da banda e vemos o seu produtor criar um estereótipo para vender cada uma delas. Verdade, mais um lugar comum e ele não inventou a roda, mas isso não leva mais que 10 minutos em todo o filme. Ponto para Floria de novo. Ficaria muito chato e maçante se durasse mais lá, aqui pretendo me estender um pouco mais nesse ponto.
A cena acontece em uma típica roubada muito lugar comum na década de 80: festa americana feita num imóvel invadido. Enquanto as moças tocam e levam latadas na festa promovida por Fowley, ele está no quarto de casal no andar superior, ao telefone, descrevendo uma a uma para um selo que tem interesse na banda. Muito esperto, usa sinteticamente o slogan “uma imagem valer mais que mil palavras” e consegue fechar o negócio. Na definição, você sentirá o mesmo que interlocutor do outro lado da linha. Diz ele, após colocar o telefone voltado para a sala: “Ouviu? Esse é o som dos hormônios em fúria!” E continua extraindo das fotos de divulgação: “Cherie Currie. Cherry Bomb. Gata Sexy. Brigite Bardot num trailer. Joan Jett. O coração do rock’n roll, morena durona das ruas. Sandy West. Miss Califórnia com um baseado na boca. Truculenta. Lita Ford. Seria a adorável filha de Sofia Loren com Ritchie Blackmore. Não ia querer ferrar com Lita. Robin Robbins, superesperta, arrebenta no baixo.” É só fechar os olhos, abrir as portas da imaginação e montar o produto que vende para qualquer um em qualquer lugar: desejo/pulsão com apelo sexual. Neste ponto, as Runaways, por mais iniciantes que fossem, obtiveram status de rocket musas por meio da singularidade de seus traços a partir do momento em que estas foram traduzidas em visual. Deste momento em diante, o espectador vê cada uma delas separadamente principalmente pelo quesito figurino. Até então as moças estavam vestidas de suas referências, principalmente as protagonistas, onde os figurinos que as duas vestem nas cenas iniciais são citações literais a Elvis Presley e Bowie. Vemos Joan se assumindo punk (vide cenas dela customizando uma camisa com alfinetes de segurando e pintando na mesma “Sex Pistols” e de Cherry incorporando Lolita Masoquista enquanto ensaia em cima da mesa enrolar o cabo de microfone em suas coxas vestindo corselete champanhe e meias 7/8 pretas). Fotografia do final desta cena: Cherry à direita com luz estourada e Joan à esquerda escura, de preto. Novamente um sutil clichê Yin Yang muito bem aplicado ao mundo ocidental dizendo: desejo/pulsão com apelo sexual se separam, mas também se misturam. E este é essencialmente o argumento do filme, como é essencialmente esta a combinação que perpetrou o rock’n roll.
A história das Runaways é contada por diversas destas analogias e, se deixarmos de chatice e preconceito, podemos curtir também o look da história de parte do rock - a música mais folclórica do século XX, com direito a uma trilha sonora cheia de hits como “I Wanna Be Your Dog” (The Stooges), “Rebel, Rebel” (David Bowie) e, claro, “I Love Rock N Roll (Joan Jett and the Blackbirds).

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